Sempre que mencionava Gabriel García Márquez perguntavam-me se já tinha lido O Amor nos Tempos de Cólera. À minha resposta negativa seguia-se de imediato a afirmação de que tinha de ler porque ia adorar e se ia tornar o meu preferido. As recomendações eram tantas que acabei por adiar a leitura unicamente porque me sabia incapaz de ler com tamanhas expectativas. Depois de cinco anos e meio a habitar as minhas estantes, estava na altura de avançar para este livro incontornável de um dos meus autores preferidos.
O Amor Nos Tempos de Cólera conta a história de Florentino Ariza e Fermina Daza. Ia dizer a história de amor, mas acho que seria redutor. Florentizo e Fermina conhecem-se porque Florentino, que trabalha como telégrafo, entrega correspondência ao pai de Fermina. É assim que começam dois anos de troca de cartas entre eles, quase sem terem outro tipo de contacto. Até que Florentino lhe envia uma carta com um pedido de casamento e Fermina decide esperar antes de responder. Florentino insiste com outra carta e Fermina aceita, mas pede que esperem mais dois anos. É então que o pai de Fermina descobre a relação entre eles e trata de os afastar. Fermina acaba por casar com Juvenal, apesar de sentir que não era aquela pessoa com quem devia estar. É aqui que entra o sentido redutor de história de amor: esta história passa-se ao longo de mais de 50 anos. Mais de 50 anos em que acompanhamos o casamento de Fermina com Juvenal (que morre logo no início do livro) e a vida de Florentino, sempre com esperança de um dia voltar a ter Fermina na sua vida.
A narrativa romancista de García Márquez é sempre um tanto lenta e, neste caso, para percorrer 50 anos é preciso ter disponibilidade para a viagem. E a viagem é longa, mas também é profundamente bonita. Não é apenas uma história de amor. Em vez disso, é uma história que acompanha as diferentes fases e facetas do amor. O amor vivido e o amor imaginado, o amor em diferentes momentos da vida, o amor que evolui e muda com o tempo e com as vivências. Não é o amor de semanas, meses ou poucos anos. Estamos a falar de «cinquenta e três anos, sete meses e onze dias com todas as suas noites». Não sei como é que não previ que ia terminar o livro lavada em lágrimas.
O Amor Nos Tempos de Cólera é um livro especial também por aquilo que o inspira. García Márquez pegou na história dos pais e imaginou o que teria acontecido se as coisas se tivessem desenrolado de forma diferente. Isto porque o namoro dos pais do Gabo também começou com troca de cartas e também não era bem visto pela família da mãe, no entanto o desenlace foi diferente. Aquilo que García Márquez fez aqui foi pegar na pergunta E se? e transformar a história real dos pais nesta história. Dessa forma, não só reimagina a história dos pais, mas também acaba por explorar a elasticidade do amor, que cresce, se transforma e amadurece com as personagens, mesmo quando elas não estão a trabalhar esse amor juntas.
Ler O Amor Nos Tempos de Cólera foi uma experiência diferente de todas as outras que tive com livros do García Márquez. Assumi que seria um livro para ler com calma, para aproveitar a jornada, algo que não é o meu estilo habitual de leitura. Ao mesmo tempo, era um livro ao qual queria voltar constantemente para entrar naquele universo e continuar a acompanhar a vida de Florentino e Fermina, sem saber quando ou se teriam oportunidade de viver a história de amor que os unia. Gostei mesmo muito deste livro, para o qual terei um lugar especial no coração, juntinho ao Crónica de Uma Morte Anunciada. É ler, porque eu não consigo explicar como é que a frase «E até quando pensa o senhor que podemos continuar neste ir e vir dum caralho?» me fez começar a chorar ainda antes de ler os dois parágrafos que lhe seguiam.
Título original: El Amor en los Tiempos del Cólera
Título em português: O Amor Nos Tempos de Cólera
Ano: 1985 (li a edição PT de 2012)
Lido entre 22 de setembro e 6 de novembro de 2025


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