Muitas histórias da nossa vida começam com «apaixonei-me e…». Esta é uma dessas histórias. Tinha 12 anos e apaixonei-me por um rapaz que apanhava o mesmo autocarro da escola. À hora a que apanhávamos o autocarro à tarde, a rádio estava sempre na RFM e Borrow tocava muitas vezes. Não sei se já ouvia Silence 4 antes, embora tenha memória do primeiro álbum a solo do David Fonseca, mas achou que se tornou irrelevante quando a Borrow se tornou uma espécie de banda sonora daquela paixão de início de adolescência que obviamente não deu em mais do que eu descobrir o amor da minha vida (a escrita). A Borrow levou-me à My Friends, música que se tornou a minha preferida do grupo e uma das minhas preferidas da vida. Já não se gravavam cassetes em 2007, mas gravavam-se CDs e eu pedi a um amigo que me gravasse o Silence Becomes It naquele final de primavera. A My Friends, que me acompanhou naqueles primeiros anos de adolescência, levou-me a dizer ao David Fonseca, em 2010, nos bastidores do concerto em Trancoso, que gostava muito de um dia ter podido ver Silence 4. Contei-lhe que aquela era uma das minhas músicas preferidas da vida. Nenhum de nós sabia que, 15 anos passados, esse encontro já teria acontecido — não uma, não duas, mas três vezes.

O primeiro encontro ao vivo, em 2014, foi diferente. Aquele 5 de abril trazia uma aura de celebração da vida, de quem acabou por a ver tentar escapar-se. Naqueles concertos de celebração, impulsionados pelo facto de Sofia Lisboa, uma das vocalistas, ter vencido uma leucemia, notava-se uma grande vontade de celebrar a vida de Sofia. Nestes concertos de 30 anos da banda, a aura de celebração mantém-se mas acho que é uma celebração mais alargada. Celebra-se a vida, sim, mas celebra-se também a música, a arte e o quanto ela nos molda e se torna um ponto fundamental da nossa vida.
Conseguir os primeiros bilhetes para estes concertos não foi fácil. Esgotou tudo tão rápido que em outubro de 2024 parecia que estava novamente a comprar bilhetes para a The Eras Tour, em julho de 2023. Com algum malabarismo lá consegui um bilhete para dia 14 de novembro. Depois descobri que a Andreia também queria ir e comprámos bilhetes para a sessão de dia 16. E de repente tinha um ano pela frente antes de poder ver mais duas vezes a banda que em adolescente achava que nunca veria ao vivo. A vida dá umas voltas interessantes.


O concerto começou morno, com a Goodbye Tomorrow. No entanto o ambiente aqueceu num instante e foi 1h45 onde facilmente nos esquecemos do frio e da tempestade que ocupavam a cidade naquele momento. A noite foi avançando com as músicas que entre 1998 e 2000 tornaram os Silence 4 uma banda de referência na música pop portuguesa. Aparentemente cantar em inglês não foi impeditivo de se tornarem uma das maiores bandas dos anos 90. Ainda assim, os grandes êxitos destacam-se e há uma energia diferente na sala quando se toca Borrow, My Friends ou quando David e Rui Costa proporcionam um momento acústico com A (Very) Little Respect. Há favoritas e todas sabemos quais são.


Para mim, momento alto é sempre My Friends, quando consigo concretizar o pedido de uma das músicas solo do David e dançar como se tivesse 16 anos. Mas antes de My Friends dá para dançar em Angel Song, para emocionar em Eu Não Sei Dizer e em To Give e ainda para apreciar os que me rodeiam. Em ambas as noites tenho a sensação de que o mais bonito da música é a forma como nos une entre gerações. Não me refiro só à música passada de pais para filhos como uma boa herança cultural, mas há música que gerações diferentes ouvem em momentos diferentes da vida e que, de repente, as junta no mesmo lugar. Estava rodeada de pessoas que seriam adolescentes em 1998, pessoas que se calhar teriam a minha idade em 1998, mas também pessoas que claramente não eram mais do que crianças em 1998. E ali estamos todos a cantar e dançar como se fosse 2000. Não é um caso de uma banda que foi editando novos álbuns ao longo dos anos; é uma banda cujo legado sobreviveu ao longo dos anos mesmo só tendo editado dois álbuns há 25 anos.
Muitas histórias da nossa vida começam com «apaixonei-me e…», mas nem todas terminam com «comecei a escrever ficção e descobri uma das bandas da minha vida». E, 17 anos depois daquelas viagens de autocarro em que cantávamos a Borrow e tudo nos parecia possível menos ver Silence 4 ao vivo, cantar e dançar My Friends num pavilhão no Porto parece-me não só um privilégio, mas uma inevitabilidade. Não haveria outro lugar na vida onde pudesse estar naquelas duas noites que não fosse ali. Será demasiado pedir para o fazer novamente? Daqui a dez anos, talvez?


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