conto de natal 2020: pedro & mariana


Pedro
Às vezes gosto de imaginar qual seria a banda sonora de cada momento da minha vida, se a minha vida fosse um filme. Neste momento seria “I Saw Her Standing There”, embora tenha alguma esperança de que ela já tenha mais de 17 anos.
Não era suposto eu estar aqui. Era suposto estar num encontro com uma loira com quem dei match numa aplicação de encontros. Pelo que conversámos, ela adora sair à noite, está no último ano do curso de qualquer-coisa-super-interessante e é bastante agradável ao olhar — principalmente nas fotografias tiradas na praia que coloca no Instagram. Era suposto estar num encontro com ela. Em vez disso, aceitei vir tocar com uma banda a uma festa de uma faculdade. Que raio de faculdade tem festas ao domingo?
É a primeira vez que toco ao vivo com eles. Às vezes juntamo-nos em casa de um deles, para tocar, mas ao vivo é a primeira vez que o vou fazer. Não estou nervoso, porque já bebi três cervejas desde que aqui cheguei e acho que noventa por cento das pessoas aqui estão totalmente embriagadas. Mesmo que o concerto corra mal, eles não se vão importar. Se calhar nem vão notar.
Tocamos durante duas horas e meia, até perto da uma e meia da manhã, e, honestamente, somos uma merda. Claro que nunca o vou admitir, mas somos mesmo uma merda. As guitarras desafinadas, a bateria sempre a dar ritmos diferentes do que era suposto. No meio da tragédia, acho que consegui cantar bem. Espero que sim, pelo menos.
Ajudo os rapazes a desmontar o equipamento e depois pego na minha guitarra e dirijo-me ao bar. É lá que a vejo pela primeira vez. Não a vi antes, por isso talvez tenha chegado durante o concerto. Parece aborrecida e impaciente. Está com pouca maquilhagem, talvez nenhuma. Ou não costuma ir a festas ou não era suposto vir a esta festa. Também é loira, mas o cabelo dela é um loiro escuro, quase castanho. Olho-a de alto a baixo. Às vezes as coisas boas têm de se afastar para dar lugar a coisas ainda melhores. Neste caso, às vezes a boazona do Tinder tem de se afastar para dar lugar à perfeição de uma festa aleatória. E não digam que não há perfeição porque, se vissem esta miúda, teriam a certeza de que a perfeição existe, tem cerca de um metro e sessenta e pouco de altura, olhos castanhos, cabelo loiro escuro, boas pernas, boas mamas e é, definitivamente, areia a mais para mim. Mas nunca recusaria um desafio.
And the way she looked was way beyond compare…


Mariana
Quando chego à festa está uma banda qualquer a tocar. Não sei o nome, mas acho que nem eles próprios sabem. Também não parecem saber tocar. O rapaz que canta é o único que parece minimamente capaz de estar naquele palco. Não chegava a ideia estranha de fazer uma festa de três dias ainda tinham de arranjar uma banda horrível para a última noite?
Nem era suposto estar aqui hoje, mas o meu irmão tem uma reunião de trabalho amanhã e é ele quem vai ser a minha boleia para ir passar o Natal a casa. Por mim, ficava cá, mas já sei que ele não ia gostar da hipótese, portanto mais vale aproveitar os últimos cartuchos de liberdade numa festa cheia de universitários bêbedos e esperar que nenhum deles me vomite em cima.
Decido prestar mais atenção à banda, mas desisto quando eles escolhem tocar a minha música preferida e desafinam. Se deixassem o rapaz cantar a cappella de certeza que não aconteciam estas tragédias.
Quando o concerto termina encontro o Francisco no bar e perco algum tempo a falar com ele. É lá que estou quando o rapaz da banda se aproxima.


Pedro
Aproximo-me dela, peço outra cerveja, que me é entregue de imediato, e olho para ela.
— Gostaste do concerto? — pergunto. Ela olha para mim e parece confusa. Sorrio-lhe. — Gostaste?
— Como é que te chamas? — pergunta-me de volta.
— Pedro.
— Bem, Pedro, posso pedir-te uma coisa? — pego no telemóvel, pronto para lhe dar o meu número, o meu contacto de Facebook, de Instagram, o e-mail, até lhe dou o telemóvel se for o que ela quer.
— Claro! — respondo, entusiasmado. Esta miúda tem alguma coisa de especial.
— Podes, por favor, não voltar a assassinar músicas dos Train?
Uau, esta doeu. Olho para ela, confuso, ofendido e à espera de que ela ria. Acabou de me conhecer e já consegue ser brutalmente sincera, sem filtros?
— Podes dar-me o teu número de telemóvel? — pergunto de volta. Sinto-me um bocado burro por o fazer, mas já aconteceram coisas mais improváveis. Ela ri.
You want it all, but you can’t have it… — canta-me, acompanhando a música que está a tocar no momento, antes de se afastar. Fico a vê-la afastar-se, ainda completamente inebriado pela presença dela. O que foi isto?
O telemóvel vibra na minha mão. É uma mensagem da loira do Tinder. “Queres passar em minha casa depois do concerto?”, pergunta. Ela não parecia tão promíscua quando marcámos encontro.
Viro-me para o rapaz do bar, que acho que se chama Francisco.
— Sabes como se chama a miúda que estava aqui ainda agora? — pergunto.
— Claro, é a Mariana! — diz. — Mariana Silva Ramos.
— Obrigado, meu! — ele sorri e encolhe os ombros. — Ela é especial, não é?
Apago a mensagem da loira do Tinder e procuro a tal Mariana Silva Ramos no Facebook. Envio um pedido de amizade. Não sei o que é que ela tem, mas depois de dois minutos de conversa tenho a certeza de que preciso dela na minha vida. Ela só aceita o pedido de amizade na véspera de Natal. Estou a meio do tradicional torneio de Pro Evolution Soccer com o Zé, o meu irmão, quando recebo uma notificação a dizer que ela aceitou o pedido de amizade. Por esta altura, já a sigo também no Instagram. Infelizmente, ela não coloca fotografias em fato-de-banho, só fotografias dignas de portefólio. Obrigo o Zé a fazer pausa no jogo e abro uma janela de conversação com ela.


“Melhor prenda de Natal de sempre!”


Volto ao jogo, mas ela responde minutos depois e o Zé decide que se eu ler a mensagem perco o jogo. Opto por perder o jogo. De que serve ganhar o torneio de Pro Evolution Soccer se não ganhar a Mariana também? Quase reviro os olhos com a lamechice dos meus pensamentos e mentalmente gozo comigo, mas leio a mensagem dela e deixo o Zé sozinho na sala.


“Uau, e eu achava que os meus Natais eram maus…”


Mariana
Vejo o pedido de amizade do Pedro no dia seguinte e reparo que me seguiu no Instagram. Tento dar uma vista de olhos no perfil dele, mas é privado. Houve qualquer coisas nesta madrugada que mexeu comigo. Não sei se foram os olhos esverdeados, se foi a voz bonita acompanhada de música terrível. Quero aceitar o pedido, mas decido esperar.
No dia de Natal, aborrecida como sempre, volto a olhar para o pedido de amizade à minha espera e clico na opção de aceitar. Estou a percorrer as publicações dele quando recebo uma mensagem. É ele. “Melhor Natal de sempre?” Solto uma gargalhada. E escrevo uma resposta. Ele responde de imediato.


“Então? Não me digas que tens de ver bandas a assassinar músicas de outros artistas!”


“Não, e espero nunca mais assistir a semelhante destruição!”


“Que exagero! Acho que a voz estava boa!”


“A voz estava decente. Já o resto…”


“Ok, já estou arrependido de ter dito que era o melhor Natal de sempre!”


“Eu sempre soube que o dia de Natal é horrível. De nada!”


“Sempre? Impossível! Todas as crianças adoram o Natal!”


“Não quando essas crianças fazem anos no dia de Natal, recebem só uma prenda e nem podem festejar com os amigos porque Natal é para a família…”


“Espera!”
“Fazes anos hoje?”


“Sim. Dezanove.”


A mensagem aparece como vista, mas ele não responde, portanto não insisto. Vinte minutos depois recebo uma mensagem dele. É um vídeo. Hesito uns segundos. Qual é a probabilidade de ele me enviar um vídeo impróprio? Decido que é uma probabilidade nula e abro o vídeo. Emociono-me assim que ele começa a cantar-me os parabéns, sentado ao piano.
O vídeo vem acompanhado de outra mensagem.


“Como vês, não assassino só músicas dos Train.”
“Feliz aniversário! Lamento que não seja o teu dia preferido do ano! Talvez possamos celebrar depois?”


Sorrio.


“Agora sim: melhor Natal de sempre!”


Pedro
A partir daí, conversamos quase diariamente durante duas semanas. Na passagem de ano ambos acabamos a ficar em casa, vestidos para sair, mas perdidos numa conversa inesgotável. Passámos a conversa para o WhatsApp e, de vez em quando, ela aceita uma ou outra chamada minha. Estou a contar dias. Primeiro, conto os dias para ela regressar a Lisboa. Depois conto os dias para ela acabar os exames e aceitar finalmente sair comigo.
Elimino a minha conta no Tinder nos primeiros dias de Janeiro. Se contasse a algum dos meus amigos que o tinha feito por causa de uma rapariga com quem ainda nem consegui um encontro, provavelmente eles riam, diziam que estava a ficar com falta de sexo e mandavam-me seguir em frente. E instalar novamente o Tinder, claro. Afinal, bem vistas as coisas, podemos conversar, mas, sempre que tento dizer algo mais sedutor ou implícito, ela corta por completo a conversa. Talvez não esteja realmente interessada, mas mantenha a conversa por educação.
Como fiquei com o contacto do tal Francisco tenho-lhe perguntado o que é que ele acha de toda a situação. Ele acredita que vai resultar e eu esforço-me para que seja verdade, mas ela tem o último exame e escolhe esse fim-de-semana para ir buscar coisas a casa dos pais.
Passamos três dias sem conversar e estou quase disposto a desistir… até que na segunda-feira chega uma mensagem dela.


“Regresso a Lisboa amanhã.”


Só isto consegue deixar-me entusiasmado.


“FINALMENTE! A que horas chegas?”


“Seis e meia.”


Siiiiiiiiiim! Porra, finalmente!


“E se te for buscar ao comboio?”


Não sei como é que ela aceita, mas às seis e meia da tarde de terça-feira, em plena hora de ponta, estou na estação do Oriente, a tentar perceber qual é a linha em que o comboio dela vai parar. Subo à plataforma mesmo quando o comboio está a chegar. Espero que o comboio pare e que as portas se abram para tentar perceber de onde é que a Mariana vai sair. Não percebo muito destes comboios.
Quando a vejo, corro para a ajudar com a mala. Ela não parece muito impressionada com o gesto de cavalheiro, mas aceita a ajuda. Levo-a a casa, para ela poder deixar a mala e ela convida-me a subir. Adoro quando as raparigas me convidam a ir a casa delas, mas desta vez é diferente.
O apartamento dela parece estar vazio há vários dias. Fico parado no meio da sala enquanto ela verifica se está tudo bem na cozinha e na casa-de-banho.
— Podes entrar aqui, sabes? — ouço-a dizer. Hesito, mas sigo a voz.
O quarto dela não é propriamente grande, mas está cheio de livros e CDs. Ela está a arrumar roupas no armário e eu só penso em encostá-la contra a parede e beijá-la. Controla-te, Pedro! Diz alguma coisa. Reparo num cachecol do FC Porto.
— És do Porto? — pergunto. Ela sorri.
— Parece que sim.
— Não podes ser do Porto! Não podes! — digo, quase sem acreditar. Só quero beijá-la.
— Não posso porquê? — pergunta-me, a rir.
— Era demasiada sorte da minha parte encontrar uma miúda gira, com bom gosto para música e para futebol.
— Podes ir jogar na lotaria ou assim, porque eu sou mesmo adepta do Porto! — assegura-me. Como é que me controlo para não a encostar à parede?
Olho novamente para o quarto, em busca de um ponto comum ou interessante.
— Tens imensos livros… — uau, que observação inteligente. — Hum, qual é o teu preferido?
O Monte dos Vendavais, da Emily Brönte. — responde, sem hesitar. — Mas esse não está aqui. Emprestei-o uma vez e não voltei a vê-lo. Era uma edição bonita. — ela sorri. — Qual é o teu livro preferido?
— Qualquer um do García Márquez. — respondo. Ela olha para os livros e tira dois.
— De García Márquez só li estes… — Ninguém Escreve ao Coronel e Amor nos Tempos de Cólera. Sorrio.
A conversa sobre livros prolonga-se algum tempo. Ela tem muitos livros dos quais nunca ouvi falar e outros que já li. Prometo emprestar-lhe todos os livros do García Márquez que ela ainda não leu. Trocamos impressões sobre os que ambos lemos e ela ri quando eu digo que não conheço alguns dos livros que ela tem.
Levo-a a jantar a um restaurante italiano. A conversa passa de livros para música. Ela parece surpreendida quando lhe digo que trabalho como gestor e ainda mais quando nota que percebo mais de música do que de gestão.
— A parte de que menos gosto é que agora já ninguém oferece música a outra pessoa, sabes? — explico. — Antigamente gravavam cassetes e CDs com música só para dizerem o que sentiam… agora se criarem uma lista de reprodução num serviço de streaming já é muito…
— Um dia gravo-te uma cassete. — diz-me. Aceito a promessa.
No dia seguinte, recebo uma mensagem ao início da tarde. É quarta-feira e estou no trabalho a rogar pragas à reunião cancelada. Agradeço a distração.


“Não achas mesmo bom quando é suposto ires sair com amigos e eles desmarcam à última hora e ficas com tarde livre?”


Sorrio e respondo.


“Depende dos planos que tiver para essa tarde livre…”


Nem me importo por ainda ter umas horas a cumprir no trabalho. Compenso noutro dia.


“Estava a pensar ir fotografar para Belém. Queres vir?”


Dois encontros em dois dias? Há alguma regra sobre isso? Mesmo que haja… que se lixem as regras. Aviso que vou sair e que não volto hoje e encontro-me com a Mariana em Belém. Mais uma vez, a conversa flui tão naturalmente que quase tenho a certeza de que nunca se esgotará. Ela fala-me do irmão, que lhe ofereceu a primeira câmara fotográfica e, com apenas um livro, lhe disse para aprender a utilizá-la. Parece-me que ela cumpriu porque sempre que me mostra as fotografias que vai tirando eu fico surpreendido. O mundo parece mais bonito agora que estou a vê-lo aos olhos dela.
— Gostavas de trabalhar como fotógrafa? — pergunto.
— Não sei… mas adorava daqui a uns anos poder decorar a minha casa com as minhas fotografias.
Vou deixá-la a casa e ela brinca com um conjunto de palhetas que tenho sempre no carro não sei bem porquê. Antes de ela sair do carro, tento a minha sorte.
— Eu sei que três encontros em três dias é muito ambicioso, mas queres fazer alguma coisa amanhã?
— Claro!
Mais uma vez, acobardo-me e não a beijo. É ridículo. Quero tanto beijá-la e nunca o faço. Faço uma nota mental para pedir a alguém que me dê um estalo.
No dia seguinte encontro-me com ela nos Jardins da Gulbenkian. Não é uma escolha muito iluminada da minha parte, mas pareceu-me interessante. Se estivesse no Porto sabia perfeitamente onde a levaria hoje, mas nunca abracei Lisboa como casa e não tenho o meu lugar aqui.
Chego primeiro e dirijo-me ao anfiteatro. Costumava estudar ali algumas vezes — algo que também não é assim tão original. Uns minutos depois, chega a Mariana.
— Chegaste cá sem problemas? — pergunto.
— Já estive aqui antes. — responde-me, com um sorriso, enquanto retira os auscultadores do telemóvel. Quando ela sorri os olhos dela brilham. Ela fica ainda mais bonita.
O sorriso dissipa-se rapidamente. Não sei o que fiz, mas ela começa a falar, com preocupação visível.
— Eu gosto de ti, Pedro. E acho que gostas de mim, o que me deixa realmente assustada.
— Porquê? — pergunto, alarmado. — Eu não te vou magoar nem…
— Eu sei que não. Eu é que vou acabar por te afastar e por te magoar e tu nunca vais perdoar-me. Eu sou complicada e não me compreendo. Acho que afasto as pessoas. — explica-me.
— Mariana…
— Eu sou uma confusão. Sou a maior confusão que alguma vez vais conhecer, por isso não sei se é boa ideia…
Não deixo que ela termine e beijo-a. Se ela é uma confusão, o que serei eu? Quero essa confusão na minha vida. Parece precipitado, mas quero essa confusão para o resto da vida.


Mariana
Há alguma coisa de familiar neste beijo do Pedro. Talvez uma série de dores nunca confessadas, talvez a vontade incontrolável de me levar para a cama. Seja o que for é algo que me diz para não ter medo, porque este rapaz vai ser a melhor coisa da minha vida. Quando ele para o beijo eu fico sem saber o que fazer.
— Isto foi bom, mas tenho planeada uma coisa ainda melhor. — diz-me. — Prometo que vais gostar!
— O que é? — pergunto, intrigada.
— Uma pequena surpresa. Só precisamos de passar por minha casa primeiro.
Aceito. Ele vive num apartamento enorme, não muito longe dali. Pelo caminho explica-me que a casa é do pai, mas os pais vivem no Estoril e esta casa era para ele e o irmão, que se mudou para Berlim há pouco tempo.
— A minha casa propriamente dita é no Porto. Quando o meu avô morreu, o apartamento dele ficou para mim. Este é só até eu decidir se fico por Lisboa ou se volto para casa. 
Ignoro o possível prazo de validade para nós (há um nós?) e sigo-o.
O apartamento está escuro, com luzes apagadas e estores fechados.
— Fecha os olhos. — pede-me.
— Pedro, não vou fechar os olhos num local escuro. Já vi filmes de terror começar assim…
Ele olha para mim com um sorriso que ainda não sei identificar.
— Por favor?
Acedo e fecho os olhos. Será que ele me vai beijar outra vez? Ele afasta-se durante uns segundos e depois aproxima-se novamente. Consigo sentir o perfume dele.
— Ok, podes abrir.
Olho em volta, de boca semiaberta. Não acredito no que estou a ver.
— O que é… — nem consigo terminar a frase, de tão surpreendida que estou.
— Eu disse que celebrávamos o Natal depois. — diz, com um certo ar triunfal.
A casa do Pedro parece uma loja de decorações em dezembro, cheia de luzes bonitas, uma árvore de Natal gigante decorada com bolas douradas e uma rena iluminada. A bancada da cozinha tem velas e os pratos têm desenhos de azevinho.
Ele decorou a casa para mim.
Ele criou outro Natal para mim.
— Vá lá, diz alguma coisa! — pede-me.
— Isto é a coisa mais espetacular que já vi na vida… — murmuro.
— Ainda faltam duas coisas importantes.
— Mais importantes do que teres feito o Natal em janeiro?
Ele sorri e encaminha-me para junto da árvore. Há dois embrulhos feitos com papel de jornal. Sentamo-nos no chão e ele estende-me os dois.
— Estava na altura de receberes duas prendas em vez de uma prenda dois-em-um.
Não sei ao certo como reagir. Estou… nem sei o que estou. Como é que esta pessoa sentada ao meu lado existe? Ele criou um Natal para mim.
— Abre primeiro a mais pequena. — pede-me. — Essa é a de Natal.
Obedeço prontamente. O embrulho esconde uma caixa pequena que contém um colar com um símbolo que reconheço das aulas de Música.
— Uma clave de fá? — pergunto.
O Pedro acena afirmativamente e mostra-me o pulso.
— A clave de sol é a mais conhecida, mas sempre gostei mais desta.
Pego no colar com cuidado e estendo-lho, para que me ajude a colocá-lo.
— Assenta-te na perfeição.
— É incrível, Pedro! — digo, sem esconder a admiração. — Posso abrir o outro?
— Não! Espera!
Ele levanta-se e dirige-se ao frigorífico. Regressa de mãos cheias.
— Ia comprar um bolo, mas a minha avó ofereceu-se para fazer uma pavlova pequena e acho que vais adorar.
No centro da pavlova ele colocou uma vela.
— Pensei que era só Natal…
— Mas também ficámos de celebrar o teu aniversário. — lembra. — Não vou cantar novamente os parabéns, mas podes apagar a vela e pedir um desejo.
Pondero o desejo durante uns segundos, mas peço aquilo que mais quero neste momento. Fecho os olhos e sopro. Não quero sabotar isto.
— Já posso abrir a outra prenda? — pergunto.
Ele acede e eu faço-o enquanto ele parte a pavlova em dois. Primeiro não compreendo o que estou a ver, mas depois leio a inscrição. É a ilustração de como estava o céu no dia em que nasci.
— Obrigada, Pedro. Isto é… não conheço palavras que consigam dizer tudo o que isto significa para mim. Nem sei se…
Não termino a frase. Mal nos conhecemos. Já me habituei à pronúncia dele e o perfume que usa é um sério candidato a tornar-se o meu cheiro preferido, mas ele continua a ser um mistério para mim e sei que há muito além do músico de uma família privilegiada. Ainda assim tenho a certeza de que o que está aqui a acontecer é o início de algo.
— Estás a pensar em quê? — pergunta-me.
— Nunca pensei que de uma banda assassina viesse alguém tão extraordinário. — digo. Ele ri.
— Temos de parar com essa conversa da banda assassina! Já te disse que não é a banda com quem mais toco e…
Não o deixo terminar e beijo-o. Ele tinha razão. É o melhor Natal de sempre.