a desobediente [patrícia reis]

a desobediente patrícia reis
opiniões literárias

As Novas Cartas Portuguesas eram-me desconhecidas até chegar à licenciatura e, algures, ouvir falar do livro, do caso das Três Marias e de como um simples livro português se tornou conhecido por todo o mundo, voltando os olhos do movimento feminista para um Portugal repressivo pré-25 de abril. No mestrado acabei por me inscrever na cadeira de Estudos Feministas e este livro foi um dos focos do semestre, com leitura e análise de vários textos escritos por Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa. Mais ou menos na mesma altura arrisquei pela primeira vez na poesia da Maria Teresa Horta e li Paixão.

Como tenho vindo a adiar o meu regresso à obra da autora não sabia ao certo quando me aventuraria na biografia escrita por Patrícia Reis, A Desobediente. Os criadores de conteúdos literários que acompanho deram uma ajudinha e acabei por aproveitar um vale da Fnac para arriscar na biografia que se lê como romance. A biografia é, aliás, um género de que gosto muito. Se calhar é o meu lado mais curioso que não resiste, mas gosto mesmo de descobrir as histórias das personalidades que tantas vezes nos parecem fora do comum e que, afinal, tiveram vidas tão comuns… ou não. Infelizmente, acaba por não ser um género com presença regular na minha vida e é ainda mais raro ler sobre personalidades portuguesas. Curiosamente, a última que me lembro de ter lido de uma mulher e de uma escritora foi a biografia da Sophia de Mello Breyner.

Por gostar tanto de biografias, admito que aquilo que menos me atraía era o facto de ser comum ver A Desobediente referida como uma biografia que se lê como romance. Por um lado, os romances lêem-se bem. Por outro, não sabia se a escrita romanceada iria resultar assim tão bem numa biografia.


«Foi então que fiz a pergunta à minha mãe, a pergunta que mudaria a minha vida: “Mãe, não existem mulheres escritoras?”» Teresinha já bisbilhotara as estantes do escritório do pai: em todas aquelas lombadas de livros não havia indicação de qualquer autoria feminina.


Na biografia de Maria Teresa Horta, Patrícia Reis apresenta-nos, na realidade, Teresinha, a filha mais velha de um prestigiado médico de Lisboa e de uma mulher descendente dos marqueses de Alorna. Acho importante realçar que, apesar de percorrer toda a sua vida, a infância e adolescência são as partes mais detalhadas do livro. A sensação que dá é que Patrícia Reis tentou mostrar muito bem a base daquilo que viria a ser a personalidade, interesses e ideais de Maria Teresa Horta, não se preocupando tanto em explorar extensivamente a vida adulta. Embora funcione, pessoalmente gostava de ter visto mais da idade adulta, principalmente pré-Novas Cartas.

Ainda assim, apesar do ritmo acelerado com que passa por várias décadas, tenho de concordar que a leitura é muito fluída, com capítulos tendencialmente curtos, em que o objetivo é facilmente cumprido: ficamos a conhecer as origens de Maria Teresa Horta e aquilo que a tornou a escritora que foi. Além de biografia, A Desobediente consegue também traçar uma visão geral do panorama histórico daquilo que são os anos da ditadura, das perseguições da PIDE, do 25 de abril e das questões que se levantaram no seu pós.

Como disse, a vida adulta da Teresa não é tão detalhada e acho que é precisamente nestes capítulos que isso faz mais falta. Em vez de vários momentos de repetições desnecessárias preferia umas linhas extra dedicadas a esmiuçar algumas destas cenas pelas quais a autora passa a correr e um fio condutor mais bem conseguido temporalmente. Houve alguns momentos em que uma cena era interrompida para, num capítulo, se detalhar algo que não precisava necessariamente de estar naquele ponto — por exemplo, quando Teresa conhece Snu Abecassis não vejo necessidade de logo de seguida se falar da morte de Snu, tendo em conta que ainda faltavam duas décadas para tal acontecer. Sim, é algo que não perturba a leitura, mas acho que não resulta tão bem assim.

Acima de tudo, A Desobediente é um relato de uma escritora que, a certo ponto, pareceu ter ficado esquecida na literatura portuguesa apesar de todo o seu contributo para a literatura e para o feminismo em Portugal. Mais do que escritora, poeta ou feminista, a característica que realmente percorre toda a vida de Maria Teresa Horta é a liberdade. E também a ela devemos a que temos.


Naqueles tempos, quase no fim da Segunda Guerra Mundial, a menina ouve e compreende realmente o significado da Liberdade. «Eram as conversas entre o meu pai e o meu tio que eu escutava.» Teresinha fazia por se tornar invisível, encostada à parede, uma observadora atenta e, sobretudo, silenciosa. «Liberdade» é uma das palavras que Teresinha escolheu para si muito cedo. Foi uma opção racional, queria viver em liberdade. «Tenho um conceito idealista da liberdade. É o que sou. Idealista. Tenho grandes decepções por causa disso.»


Título original: A Desobediente: Biografia de Maria Teresa Horta
Autora: Patrícia Reis
Ano: 2024
Lido entre 6 e 13 de julho de 2025

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