lobos [tânia ganho]

lobos Tânia ganho
opiniões literárias

A Tânia Ganho é, possivelmente, das autoras portuguesas que mais admiro, apesar de ter lido pouco dela. Na verdade, acho que a admiração vem quase independente dos livros, porque admiro sobretudo a postura e sobriedade com que a ouço falar. Ainda assim, depois de Apneia, que me custou ler, e de O Meu Pai Voava, de que gostei muito, tinha curiosidade em voltar a ler a Tânia em ficção. Felizmente Lobos chegou e trouxe uma premissa que me intrigou logo.

Em Lobos, temos quatro personagens principais: Fedra, Stefan, Leonor e Helena. Fedra é antropóloga forense e, por isso, o trabalho leva-a a lugares profundamente negros, mesmo agora que trabalha no Instituto de Medicina Legal. Stefan era repórter de guerra, mas decidiu construir uma cabana numa floresta, tentando encontrar na natureza a antítese dos horrores que viu. Leonor tem 14 anos e isola-se depois de ser vítima de um crime sexual. A mãe dela, Helena, não sabe como lidar com o trauma e encontra refúgio numa obsessão. Além de todos eles, existe Amélia, que tenta lutar com a própria memória e vida.


«Quero muito apaixonar-me», diz-lhe um dos voluntários, e Fedra pensa que há anos não ouvia uma frase tão como-vente. Quero muito apaixonar-me: desejo pueril e, ao mesmo tempo, nostálgico e melancólico num corpo de quase trinta anos, que já teve relações e desilusões e agora anseia por começar de novo. Possivelmente com um olhar ainda capaz de deslumbramento, um corpo ainda capaz de entrega total.


Lobos é uma história que envolve, mas que por vezes sufoca. Se consegue ler-se com uma boa cadência, porque a estrutura e a escrita assim o permitem, a verdade é que também exige pausas para respirar porque o peso daquilo que estamos a ler parece nunca aliviar. Receei que, com tantos hot topics, o livro caísse num exagero ou numa romantização da dor, mas não senti que isso acontecesse. Gostei muito deste livro — tanto quanto se pode gostar de um livro em que todos os tópicos são negros, pesados, devastadores.

A Tânia tem uma maturidade de escrita diferente e nota-se nesta narrativa. Num livro como este, em que o luto e o trauma são o foco, torna-se muito fácil perder o foco e tornar a história algo sensacionalista ou perdida de propósito. No entanto acho que o sufoco e os sentimentos das personagens foram bem explorados e conseguiram passar para os leitores. Não diria que é um livro fácil de ler nem recomendaria a leitura de ânimo leve, mas acho que é um privilégio poder ler narrativas tão completas e tão bem construídas na nossa língua.

Título original: Lobos
Autora: Tânia Ganho
Ano: 2025
Lido entre 16 e 20 de julho de 2025

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