Dois meses depois, acho que me sinto finalmente capaz de falar sobre The Life of a Showgirl, o 12.º álbum de estúdio da Taylor Swift. Assim que o comecei a ouvir, no dia 3 de outubro, soube que ia precisar de vários dias para organizar ideias, principalmente quando começassem a chegar as reações negativas que esperava. Se calhar é por já levar uma vida nisto de acompanhar a Taylor, mas só precisei de ouvir o álbum uma vez para saber que este álbum não ia agradar a todos, que não ia ser um álbum consensual e que não ia ser este o álbum que ia quebrar a tradição de ser considerado o pior álbum da Taylor assim que sai.
Expectativas vs. Realidade: a Taylor enganou-nos ou nós é que nos enganámos?
Tinha alguma curiosidade em perceber como é que a Taylor voltaria à música depois da The Eras Tour e, principalmente, depois de The Tortured Poets Department, o álbum-catarse. Ao longo dos anos, desde o reputation, a Taylor começou a deixar de explicar a sua música e aceitou que a interpretação dos outros vai sempre ser algo que escapa ao seu controlo. No entanto acho que quando ela apresentou The Life of a Showgirl e escolheu dizer que era um álbum com o «liricismo de folklore» e que tinha o lado pop de 1989 e reputation ela escolheu plantar o caos para o futuro porque já sabia que a interpretação do público não ia corresponder ao que ela queria dizer.
Obviamente, o liricismo de folklore apresenta-se em Showgirl de uma forma não tão óbvia quanto poderia ser desejado. O liricismo de Showgirl apresenta-se, na verdade, em histórias com personagens específicas — mais ou menos ficcionais —, como The Life of a Showgirl ou Father Figure, em que, numa forma muito country, cada música tenta contar uma história com princípio, meio e fim. Mas o público mais abrangente ia esperar as letras tristes, o inglês mais elaborado e o indie pop que ficou em 2020. Foi um erro ou foi propositado? Acho que a Taylor sabia o que estava a fazer quando escolheu falar das letras de folklore sabendo que Showgirl trazia histórias, mas trazia sobretudo ironia, sarcasmo e músicas animadas.
Depois vem a comparação óbvia com 1989 e reputation, também por serem os álbuns pop em que Max Martin e Shellback também trabalharam. E não acho que ela tenha feito falsos testemunhos quando disse que este álbum se assemelhava a estes dois ou aos temas pop que fez com os produtores suecos no RED, mas já lá vamos.
A outra grande questão da promoção que ainda vejo levantar questões é a estética do álbum que, dizem, não corresponde ao que o álbum entrega. Ou será que não corresponde? Acho que isto tem a ver com alguma interpretação sobre o que está incluído na life de uma showgirl. A vida da Showgirl fora dos palcos, que não sabe se vai correr tudo bem na relação dela, que se apaixona loucamente (demasiado até), que tem de lidar com os negócios de bastidores e os homens que a menosprezam, que também teve perdas antes de chegar ao topo do mundo, que quer ter uma família, que vive para lá dos dramas dos amigos famosos, que acaba o álbum a concluir que já conhece a vida de uma showgirl e que wouldn’t have it any other way. A vida da showgirl que a Taylor quis mostrar foi uma parte da vida de bastidores, numa continuação quase linear de I Can Do It With a Broken Heart. Portanto a estética vai além da showgirl que está em palco, é a showgirl nos camarins, a preparar-se para entrar em palco, a descansar depois de mais uma performance, a desejar coisas mundanas como casar e ter filhos.
Aqui, tenho de dizer que gosto da ligação entre I Can Do It With a Broken Heart e as músicas de The Life of a Showgirl. Quando vemos na Eras Tour a performance de I Can Do It With a Broken Heart temos ali uma história óbvia: a showgirlque está às portas da morte de um coração partido e que, mesmo assim, é obrigada a dar um espetáculo, não importando se ela está ou não capaz, se está triste, feliz, cansada, magoada porque o que importa é aquilo que é visto não palco. Tudo o resto é acessório e, como o álbum tem vindo a mostrar, ou vende revistas e é explorado até à exaustão porque é demasiado triste ou aborrece porque é demasiado feliz.
O conceito de um álbum feliz: o novo pior álbum da Taylor ou lá o que é
O ano era 2012 e, depois de dois álbuns country e um álbum country pop de sucesso, a Taylor decide lançar como singlede apresentação do novo álbum uma música pop: We Are Never Ever Getting Back Together. O RED foi o primeiro álbum cujo lançamento acompanhei realmente e, meus caros, caiu o Carmo e a Trindade. Primeiro, ela já tinha irritado porque quem é que a miúda de 16 anos pensa que é para lançar um bom álbum country? Depois, irritou porque quem é que a miúda pensa que é para ter um álbum country vender tanto e ainda ganhar prémios a estrelas maiores do que ela? Por fim, tinha também irritado porque tinha-lhe dado a loucura de escrever um álbum sozinha só porque diziam que ela não devia escrever assim tanto das músicas dela e, vá-se lá perceber como, as letras dela pareciam de uma miúda de 21 anos… como é que ela se atrevia a escrever com a idade que tinha?
O RED foi um álbum que dividiu águas. Não era coeso o suficiente, não ganhou grandes prémios, e ainda tinha fun popque não caía bem a muita gente. RED era o pior álbum da Taylor porque não era coeso, tinha pop fraca, era triste. No entanto, cantámos We Are Never Ever Getting Back Together na The Eras Tour sem qualquer problema. 1989 chateou porque era totalmente pop e, vamos admitir, é um marco. Mas 1989 era o pior álbum da Taylor porque ela devia ter ficado no country, porque tinha demasiadas músicas sobre o Harry Styles, porque agora ela queria ser uma estrela pop. Depois veio o reputation e o reputation tinha de ser o pior álbum da Taylor. Um álbum sobre renascer das cinzas depois de ser cancelada, sobre estar apaixonada, mas muito pop, r&b, sonoridades diferentes. Mas ela não estava bem na pop comercial normal? E claro que veio o Lover (e decora bem esta referência, porque voltarei a ela) e o Lover era o pior álbum da Taylor porque os singles de avanço eram fun pop horrível, e tinha muita cor, e brincava ali com outros géneros musicais. A sério, quem é que escreve ME! e diz que é a maior songwriter do século XXI? Ui, mas e folklore? Problemático, o pior álbum da Taylor. Então agora vinha com letras incompreensíveis, a roubar lugar aos verdadeiros artistas indie? E depois que raio de ideia é esta de evermore? Pior álbum da Taylor, parecia cópia chapada de folklore, ela é louca se acha que pode copiar o álbum anterior só porque é icónico. Mas claro que Midnights é o pior álbum da Taylor. Então agora voltou à pop? Não estava bem na música indie? Ui, não, pior álbum da Taylor? The Tortured Poets Department, claro, que álbum triste, tão longo, tanta música triste, não é pop dançável, caraças, mas ela não sabia fazer uma continuação do Midnights?
Consegui demonstrar o meu ponto?
Andamos há anos a ter uma reação inicial a uma álbum da Taylor que o apelida como o pior álbum da Taylor, sempre. E não vou dizer-vos que é o melhor, porque não é, mas esta ideia de que temos de reagir e ter uma opinião formada sobre tudo no momento em que ouvimos algo pela primeira vez não faz sentido. Tal como não faz sentido ter opiniões baseadas no facto de algo ser ou não popular ou no que o algoritmo mostra ou não. Porque é justo e normal algo não corresponder às expectativas que criamos. No entanto, isso não determina qualidade e certamente não dá o direito de sermos maus e de espalharmos discursos ofensivos só porque as nossas expectativas, criadas unicamente por nós, não corresponderam à realidade do trabalho de outra pessoa. Mas um álbum ser pop feliz sobre uma relação feliz em que a pessoa vê futuro não torna um álbum mau.
The Life of a Showgirl
O álbum abre com, provavelmente, um dos singles mais fortes dos últimos anos. The Fate of Ophelia tem a melodia certa para ficar no ouvido, uma coreografia pensada para viralizar e a estrutura lírica que, na verdade, vem da old Taylor — um retelling de uma clássico da literatura contado pela perspetiva dela. Curiosamente, Love Story também começa com uma narradora que parecia condenada à infelicidade e, no fim, fica com o príncipe. Uma coincidência? Não me parece. Gostei logo dela e acho que, bem vistas as coisas, foi uma boa escolha para promover um álbum pop.
Elizabeth Taylor demorou a conquistar-me pela melodia e acho que é, talvez, uma das músicas que prefiro na versão acústica. Se falarmos de transição entre álbuns, acho que esta é uma daquelas músicas que inevitavelmente liga com muitas questões de The Tortured Poets Departament: a ideia de uma relação que pode não durar, a questão de haver momentos não tão glamorosos para lá de toda a fama, a ideia de ter tudo e ainda assim não ter o mais importante e, claro, as relações falhadas do passado que parecem querer assombrar o futuro… Mais uma vez, um tema um tanto recorrente nos álbuns da Taylor desde o reputation.
Acho que Opalite me conquistou à primeira porque me fez logo lembrar música pop dos anos 70 e 80 e porque a interpretei logo como a versão dançável e feliz de Daylight. Além disso, acho que a letra é das mais interessantes do álbum porque pega em várias referências de músicas de outros momentos da carreira da Taylor, além de ter uma pequena menção a Margaret, da Lana Del Rey com The Bleachers. Conto que este seja o segundo single, porque o potencial de dancinha viral no TikTok é alto… e porque acho que é, possivelmente, um dos melhores resumos para o espírito de Showgirl, em que Tortured Poets foi a onyx night e Showgirl simboliza o céu opalite.
Estava muito curiosa para ouvir Father Figure, por ser uma referência óbvia à música de George Michael, mas não sabia ao certo o que esperar. Father Figure é a música política do álbum, mas não só. Brinca com os jogos de poder óbvios entre quem tem o poder e quem tem o sonho, normalmente homem vs. mulher, algo muito comum na indústria do entretenimento. De volta ao tema dos seus masters, algo que tem sido comum da música da Taylor desde folklore, Father Figure não deixa escapar a questão de que o poder, no fim, está sempre em quem tem mais dinheiro — é assim que se compram masters de volta.
Quero só dizer que acho ultrajante a falta de amor que Eldest Daughter recebe, mas, honestamente, de uma forma um pouco egoísta, também gosto de não ter tanta gente a amar a minha música preferida do álbum. Eldest Daughter é sobre vulnerabilidade na era das redes sociais, em que o que importa é seguir as trends e usar o jargão da internet. Enquanto satiriza a coolness da internet, também vai revelando que nem sempre é assim tão cool, que nem sempre disse a verdade. Eldest Daughter tem também uma das bridges mais bonitas da carreira da Taylor e gostava de conseguir explicar o quanto os versos «’Cause I thought that I’d never find that / beautiful, beautiful life that / shimmers that innocent life back» são, talvez, aqueles que melhor definem a minha vida, mas também tudo aquilo que, na verdade, está na origem deste álbum. Juro, amo esta música.
Quando, ao chegar ao fim da música, percebi que Ruin The Friendship era sobre a mesma pessoa de Forever Winter tive de parar a música. Pode parecer estranho ter uma música sobre o arrependimento de não se ter declarado ao amor de adolescente num álbum em que estamos constantemente a ser lembrados de que ela está numa relação ótima, mas acho que é uma espécie de encerramento de um ciclo: «And my advice is always answer the question / Better that than to ask it all your life» dá uma explicação sobre como, de certa forma, mesmo após ele morrer, ela se perguntou sempre sobre se seria ele a pessoa com quem ela devia ter terminado, como se fosse por isso que as relações passadas não funcionavam, justificando o facto de não haver uma forma de ela ter uma relação feliz — ela tinha deixado passar a oportunidade.
A vida de uma showgirl não seria a mesma sem arqui-inimigos e Actually Romantic é a prova disso. Gosto deste soft rock, mas acho que não é uma música particularmente marcante. Tanto que nem tenho assim tanto a dizer sobre ela.
Wi$h Li$t é mais uma das que me conquistou logo — e tem uma versão acústica linda! Pega na questão feita em Elizabeth Taylor, «what could you possibly get for the girl who has everything and nothing all at once?», e responde diretamente com aquilo que está na wishlist dela, que, na realidade, podia ser semelhante aos desejos retratados na letra, mas que é aparentemente mais simples: casar e ter filhos com a pessoa com quem está.
Pronto, chegados a Wood tenho de voltar ao tema da fun pop. Wood é fun pop e fala de sexo e já sabemos que é sempre problemático uma mulher falar de sexo, mas também já falámos do problema que, aparentemente, a fun pop traz. Woodfica no ouvido e incomoda por ser divertida. Como incomodaram We Are Never Ever Getting Back Together, Shake if Off, Me!. Quando é que virou crime fazer música pop sobre sexo? Só para tirar metade da pop dos anos 80 e 90 das minhas playlists…
Cancelled! é aquela música que facilmente encaixaria em reputation ou em The Tortured Poets Department, o que deve explicar o facto de soar tão familiar. Voltamos aos arqui-inimigos e também à cultura do cancelamento, um tema também recorrente na música da Taylor. Gosto muito desta vibe misteriosa e zangada.
A penúltima música, Honey, é claramente subvalorizada. Como é que uma música sobre redefinição de significados não está a ter tantos fãs? Não só ressignifica o significado destas palavras que lhe foram chamando, como até o próprio significado da noite e da manhã para uma relação mudou. Pronto, olha, não aproveitem a maravilhsa desta pop, mas já parece só embirração sem motivo.
E eis que chegamos ao fim do álbum. Quando soube que The Life of a Showgirl seria um dueto com a Sabrina Carpenter temi, mas acabei surpreendida pela positiva. Não só as vozes combinaram na perfeição, mas também achei que encaixou totalmente na persona da Sabrina. The Life of a Showgirl faz lembrar Nothing New, mas vai mais além e resume o álbum com a sensação de que, apesar de tudo, vale a pena seguir este caminho e lidar com tudo o que de bom e de mau a vida de uma showgirl traz.
E depois da Showgirl?
The Life of a Showgirl lembra-me o Lover. Não sendo o melhor álbum da Taylor, Lover consagrou-a de alguma forma, mesmo com temas como Me! e I Forgot That You Existed. Não acho que o mesmo vá acontecer com The Life of a Showgirl, mas acho que é injusto tratar este álbum como se fosse a pior coisa que já aconteceu à música. Showgirl é, na verdade, um álbum cheio de camadas, que parece absorver a viagem que a Eras Tour trouxe a nível musical, com o extra de a vida da Taylor ter atingido momentos particularmente bonitos também.
Coletivamente, é interessante perceber como estas doze músicas se ligam entre si, mas também como se ligam a outras músicas do repertório swiftiano. The Fate of Ophelia liga a Eldest Daughter e Honey, Elizabeth Taylor liga a Wi$h Li$t, Opalite parece responder a Elizabeth Taylor, Father Figure e The Life of a Showgirl estão obviamente ligadas, Eldest Daughter e Ruin The Friendship vêm do mesmo lugar, Actually Romantic e Cancelled! tratam partes semelhantes, Wi$h Li$t relaciona-se com Eldest Daughter. Mas também se ligam com outras músicas da carreira da Taylor.
The Fate of Ophelia também se liga a Love Story, Cassandra, The Albatross; Elizabeth Taylor vai buscar uma referência já conhecida de …Ready for it? e não esquece The Prophecy ou peace. Opalite é a versão dançável e feliz de Daylight, refere os fantasmas de The Archer, Florida!, How did it end?, a mesa de right where you left me. Father Figure liga a my tears ricochet, Nothing New, Clara Bow e Vigilante Shit. Eldest Daughter remete a You’re On Your Own, Kid, the lakes, mirrorball, Lavender Hazer e até You Need To Calm Down tem aqui um tema comum. Ruin The Friendship e Forever Winter são músicas irmãs, mas também acho que não estou louca ao achar que You Belong With Me também faz parte desta família. Actually Romantic liga a This is Why We Can’t Have Nice Things, Bad Blood, Karma, thanK you aIMee. Wi$h Li$t vai buscar the prophecy e Midnight Rain e Wood está claramente junto de Dress e Guilty as Sin? tematicamente falando. Cancelled! liga a Who’s Afraid of Little Old Me?, I Did Something Bad e Vigilante Shit.
Showgirl é um álbum de felicidade e a regra sempre foi que a desgraça vende mais do que a felicidade, o que motiva parte deste ódiozinho de estimação que se gerou à volta do álbum. No entanto, desde quando é que uma miúda não pode estar feliz e fazer um álbum feliz, com música pop que reflete nas suas músicas, mas que também vai buscar referências a outros artistas?
Não sei para onde vai a música da Taylor depois deste álbum, mas também nunca foi fácil descobrir para onde ia. Aquilo que eu sei, com toda a certeza, é que uma boa música não se define pela quantidade de vezes que alguém vai ao dicionário para tentar perceber o que é dito. E há boas músicas neste álbum.
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